TRATUTOR

quinta-feira, 3 de março de 2011

INTOLERÃNCIA CONTRA OS JUDEUS ITALIANOS ENTRE A EMANCIPAÇÃO E AS LEIS RACIAIS FASCISTAS

Somente em época muito recente a historiografia italiana começou a refletir sobre as origens e sobre o percurso do racismo e anti-semitismo italiano, saindo dos estreitos limites dos anos da persecução fascista contra os judeus.
A questão judaica na Itália foi o assunto do livro pioneiro de Renzo de Felice[1]: Storia degli ebrei italiani sotto il fascismo (História dos judeus italianos na era fascista) que ficou, por muito tempo, uma contribuição isolada no panorama da historiografia. Nesse texto o autor afirma que não existiu anti-semitismo, antes e durante o fascismo, até a proclamação das leis raciais (1938) que, conforme o historiador Collotti, apareceram de repente como uns blocos de pedras caídos sobre um terreno virgem, estranhos a qualquer contaminação precedente.[2]
Nesta breve dissertação, à luz da revisão histórica sobre o surgimento do anti-semitismo (não do milenar antijudaismo) na Itália, irei propor algumas considerações  relativas ao período que vai da emancipação dos judeus italianos (1848) até a proclamação do das primeiras leis raciais (1948), cem anos depois.


Os acontecimentos, motivos de racismo e anti-semitismo no séc. XIX e na primeiras décadas do XX, foram os seguintes:
1-                                      A emancipação (1848) e a Unificação da Península italiana que aconteceu, em diferentes etapas, de 1861 até 1918.[3]
2-                                      O surgir da revista dos Jesuítas “Civiltá Cattolica”, em 1850.
3-                                      A política colonial e a construção do Império[4] entre 1882-1936
4-                                      O surgir do fascismo em 1922, e a Concordata com a Igreja Católica em 1929.
5-                                      O surgir do Sionismo e a lenta penetração das idéias sionistas entre os judeus italianos e, finalmente, a assunção da política anti-semita pelo governo fascista ate’ a declaração do Manifesto da Raça e das primeiras leis raciais (1938).

Pelo tempo a disposição é evidente que não será possível falar de todos eles. Mi limitarei aos primeiros três itens.
O que eu gostaria de demonstrar é que o anti-semitismo teve como premissa e preparação o racismo contra os negros africanos, (racismo que teve inicio com o Imperialismo italiano e continuou até a conquista da Etiópia em e a ação da revista Civiltá Cattolica que propagou uma visão do judaísmo demoníaca e deformada,  apelando à elaboração de leis excepcionais a serem aplicadas aos judeus.

1- Depois da emancipação, a primeira verdadeira demonstração de anti-semitismo laico liberal por parte dos italianos, o mesmo que, na opinião de Jean-Paul Sartre, a partir do Iluminismo, pede ao judeu de renunciar a sua diversidade em troca da emancipação aconteceu em 1873, quando o deputado veneto Francisco Pasqualigo, fez objeção à nomeação do judeu, Isacco Pesaro Maurogonato, como ministro das Finanças. Com esta objeção, antecipou as criticas à dúplice lealdade nacional dos judeus, criticas que se transformariam em corriqueiras depois do aparecimento do sionismo. Maraugonato, por sua parte, não aceitou o encargo com medo que a impopularidade de algumas eventuais escolhas pudessem recair sobre a Comunidade judaica. 

A revista, Civilta’ Cattolica”, surgiu em Nápoles em 6 de abril de 1850, tendo como idealizador um jovem jesuíta: Carlo Maria Curci.
No artigo dedicado à apresentação da revista, intitulado Il Nostro Programma (O nosso programa) Curci descrevia o jornalismo europeu como “filho da Revolução Francesa” que havia como propósito defender as idéias blasfêmias e anticristã, cheias de agnosticismo e ateísmo. “E’um fato irrefutável não existir no mundo outra civilidade alem da Européia e que na Europa a civilização foi obra cristã, católica, romana; quem tiver duvida disto pode ser convencido com uma simples olhada ao planisfério: existem, mesmo no dia de hoje, duas regiões uma totalmente e outra meio bárbara”[5].

As lutas de Civiltá Cattolica foram numerosas, movidas contra o liberalismo, a maçonaria, o modernismo e o comunismo, correntes entre as quais os judeus encontravam-se numerosos. O nascimento desta revista coincidiu com a restauração do Gueto em Roma por obra de Pio IX [6], e apesar de não ter apresentado, até 1858, analise alguma diretamente sobre o judaísmo, defendeu o comportamento do papa no caso Edgardo Mortara[7] testemunhando, assim, uma atitude negativa para com os judeus residentes no Estado pontifício.
Um ataque direito contra os judeus, porem, aconteceu em maio de 1872 quando foi publicado um artigo intitulado Il Golgota e il Vaticano, no qual o paralelo entre “a paixão de Cristo (quem aconteceu pela vontade dos judeus) e as angustias de Pio IX (devidas a criação do Reino da Itália), foi usado para explicar os motivos da tomada de Roma. O grande delito deste papa, aos olhos desta moderna Sinagoga de Belzebu, pela qual mereceu ser por ela crucificado é, portanto, similar ao grande delito, pelo qual a velha Sinagoga de Jerusalém condenou o Salvador à Cruz: o ser Jesus Deus e Pio IX seu Vicário. A tomada de Roma é assim apresentada como diretamente inspirada pelo demônio, e interpretada como um furioso ódio anticristão.”.[8]

Nos anos sucessivos, de 1878 ate’1938, com os papas Leon XIII, Pio XI e Pio XII, a revista Civilta’ Cattolica seguiu, com seus artigos, o desenvolvimento dos acontecimentos: desde a luta contra a maçonaria, que foi considerada como uma “obra dos judeus”, e a por em evidência que os judeus constituíam um grupo não somente religioso, mas também nacional e racial e, como tal, podiam ser considerados UM CORPO EXTRANHO NO TECIDO DE TODAS AS OUTRAS NACOES [9]. Em 1881, um artigo da revista afirmava “são de fato por religião cristãos os espanhóis, os italianos, os franceses etc.: mas continuam sendo por raça e nacionalidade espanhóis, franceses e italianos. Pelo contrario os de religião judaica são também judeus de raça e nação, nunca são italianos, espanhóis ou franceses, mas sempre judeus, nada mais que judeus” .[10]
“Assim, deveria ser feito com os judeus o mesmo que se faz com a PESTE; esta não pode ser extirpada, mas pode ser circunscrita, diminuindo o que não pode ser anulado, minorando suas forcas e tirando seus alimentos”.[11]
A revista continuou, durante todo o século XIX, em seu ataque contra os judeus, acusando-os do uso do sangue cristão em seus ritos, a julgándo-os e condenándo-os apesar dos processos nos quais eram absolvidos. Os veredictos de absolvição eram interpretados como uma ulterior prova da potencia judaica capaz de adquirir, com ouro e chantagem, juizes e jurados.[12]
 Entre 1886 e 1887, a revista publicou uma serie de artigos que procuravam demonstrar como, ao longo do curso da historia, os judeus tivessem sempre perseguido os cristãos. Estes artigos que apareceram em fascículos semanais, com o titulo Dell`ebraica persecuzione contro il Cristianesimo (Sobre a perseguição judaica contra o cristianismo), afirmavam que as perseguições anticristãs dos imperadores romanos, a partir da época de Nero até Constantino, foram instigadas, secretamente, pelos judeus: “Os cristãos foram sempre perseguidos por Nero e seus sucessores, devido somente à sua religião que os pagãos conheciam exclusivamente através das calunias judaicas, fonte de todas as perseguições até as modernas. Nestas ultimas, escondidas sob a face da maçonaria e do liberalismo, os judeus lutam contra os cristãos, como antes os perseguiam sob a mascara do paganismo, sempre gritando e afirmando, como sempre o fizeram, de serem eles mesmos as nossas vitimas inocentes”.[13]
Evidentemente, a campanha anti-semita perpetrada pelo papa e pelas altas hierarquias católicas através da revista Civiltá Cattolica, havia como finalidade demonizar o judaísmo, apontando-o como o responsável secreto da maçonaria e do liberalismo e construindo, quase do nada, o mito da conspiração judaica contra a humanidade. Pela Igreja era importante  bloquear a afirmação e a difusão dos princípios liberais, laicos e igualitários, que acabariam transformando a sociedade européia até o ponto de diminuir, gravemente, seu papel. [14]
Comentando os pogrom da Rússia em 1881 (depois do assassinado de Alexandre II), os jesuítas chegaram a dizer que: se a raça judaica, única entre todas as raças, foi sempre tão odiada deveria obrigatoriamente existir nela uma razão estimulante que provocaria rancor e ódio continuo por parte de todas as raças.[15]

A solução do problema judaico, conforme sugerido por parte dos jesuítas da Civiltà Cattolica, seria então uma segregação amigável. Esta segregação iria confirmar, dezenas de século mais tarde, a tese de S. Agostinho (354-430) pela qual os judeus e o judaísmo não podiam ser extirpados: os judeus, por sua mera existência, eram parte do projeto de Deus, já que eram testemunhas da verdade do cristianismo, simbolizando com seu fracasso e humilhação o triunfo da igreja sobre a sinagoga. A política da igreja, portanto, consistiria em permitir que pequenas comunidades judaicas sobrevivessem em condições de degradação e impotência.[16]
Reinterpretando este conceito à luz dos acontecimentos dos séculos XIX e XX a Igreja apresentava-se como a única estrutura capaz de proteger os não judeus da ameaça judaica e, no mesmo tempo, os próprios judeus dos excessos da legitima defesa dos outros povos sugeria a solução de uma segregação amigável: ou seja, uma espécie de novo gueto onde fechar os judeus, não ainda convertidos, à espera desta conversão.
Porém, os Cristãos alimentavam uma esperança: a Conversão de Israel. Esta seria a solução definitiva, com a condição, porém, que os judeus, se tornando cristãos, perdessem sua nacionalidade judaica (...) [17]

A revista Civiltá Cattolica não apresentou, depois da guerra, alguma reflexão critica. A linha seguida foi a da remoção pura e simples. Não somente a “questão judaica” desapareceu de sua paginas como se nunca tivesse existido, mas foi cancelada, também, qualquer referência às suas campanhas anti-semitas.[18] 

O terceiro ponto diz respeito à Política colonial.

A experiência colonial italiana é vista como um acontecimento sobre o qual exercitaram-se as primeiras teorizações racistas que, na metade dos anos trinta, ofereceram as bases da discriminação racial a cargo dos povos africanos, habituando os italianos ao discurso racista ate’ induzi-los a considerar o racismo um fato normal.
A partir das primeiras conquistas coloniais européias na África, antropólogos e etnógrafos puseram em evidencia não somente as diferencias entre as raças brancas e negras mas, também, a presencia de caracteres superiores na raça branca. A conquista colonial da Abissínia [19], por parte da Itália, e o encontro com os povos africanos, tiveram como conseqüência o surgir do conceito de “contaminação” do povo italiano com a raça negra.[20]
Era transmitida uma imagem do negro na qual alternava-se o mito do “bom selvagem” e a “deformação física do negro”, no qual os caracteres como: lábios, nariz, pés e mãos, eram grosseiramente aumentados não somente, para pôr em evidência as diferencias, mas, mais do que isso, para solicitar horror e nojo (VER A MESMA COISA FEITA POR LATOUR, quando embaixador na Polônia em, 1936).
Os negros eram descriminados enquanto diferentes biologicamente (ex: o cérebro era considerado menor), pelo desequilíbrio psíquico que devia apresentar-se nos mulatos, pela tendência ao regresso no lugar do progresso
Quando, com a conquista do Império, o contato direto entre as duas raças estava ficando inevitável, a tarefa de dar aos italianos uma adequada consciência racial juntou-se à obrigação de defendê-la de qualquer intrusão não desejável. O professor Cipriani[21], auxiliar de Antropologia na Universidade de Florença, sugeriu como evitar esta contaminação: para os residentes na África foi excogitado um regime de apartheid enquanto, para os súditos coloniais que se encontravam na Itália a solução foi a expulsão da península. Esta ultima medida mexeu profundamente com os discriminados que se encontravam legalmente presentes na sociedade italiana e, às vezes, ligados sentimentalmente ou juridicamente (casados).
Ainda antes que nas leis contra os judeus o preconceito contra o diferente teria, assim, seus fundamentos sobre a predisposição psicologia já fomentada contra os negros.
O sentimento de superioridade da raça branca, misturou-se com as ambições e as aspirações da política do Exterior fascista, com suas exigências de prestigio e seus mitos de potência.
Na campanha contra os judeus, também, foi aplicada a mesma idéia obsessiva da “contaminação” e, como conseqüência, a perda de valor (substancia) da raça italiana que derivaria da mistura de povos de origens diferentes..

Pouco antes do inicio da discriminação contra os judeus, a conquista da Etiópia ofereceu a ocasião para promulgar as primeiras normas realmente racistas, discriminatórias e segregacionistas. A primeira destas providencias foi a elaboração do Rejo Decreto de Lei publicado em 9 de abril de 1937 destinado as relações de tipo conjugais entre cidadãos e súditos: “O cidadão italiano que no território do Reino ou das Colônias, mantêm relações de tipo conjugais com pessoas súditas da África Oriental Italianas ou estrangeiras, pertencentes a população que tenha tradições, costumes, ou conceitos jurídicos e sociais parecidos aos súditos da África Oriental Italiana, será punido com a reclusão de um ate cinco anos”.
Neste contexto a inserção, em 17/11/1938 dos Provvedimenti per la difesa della razza italiana no quadro da campanha contra os judeus que proibiam os casamentos entre cidadãos italianos de raça ariana e pessoas pertencentes a outra raça, personalizava e generalizava o principio contido no decreto do abril de 1937, proclamando o ilícito penal do casamento nestas condições. A confluência neste ponto entre a legislação racial colonial e a legislação antijudaica exprima uma conexão lógica e conceitual totalmente indissociáveis: eram dois galhos que saiam do mesmo tronco.[22]
Conforme o professor Maiocchi[23] “a imagem do negro universalmente difundida entre os italianos se transformara no cavalo de Tróia por meio do qual o racismo anti-semita será feito penetrar na Itália.”
Estabelecer então, uma ligação entre racismo colonial e racismo antijudaico, e a continuidade entre os dois, é fundamental para entender como a maioria da população acostumou-se ao discurso racista e como não houve alguma manifestação de divergência e desaprovação. Além disso, a ligação entre racismo-colonial e racismo-antijudaico  ajuda a entender como o papel da Alemanha na proclamação das leis fascistas consistiu numa influencia indireta. Esta oferecia uma moldura européia na qual podia ser inserida a perseguição na Itália, não por um simples oportunismo do regime frente ao mais potente partner do Eixo, mas por uma  ciente escolha política.[24]   

 BIBLIOGRAFIA
- Taradel, Ruggero; Raggi, Barbara, La segregazione amichevole. La Civiltà Cattolica e la questione ebraica 1850-1945. Ed. Riuniti, Roma, 2000
- Collotti, Enzo, Il fascismo egli ebrei. Ed. Laterza. Roma-Bari,2003
- Molinari, Maurizio, Ebrei in Italia: un problema di identitá (1870-1938). Ed. Giuntina, Firenze, 1991
- Revista Civilta Cattolica. Os trechos citados provem do livro de Taradel e Raggi, La segregazione amichevole.








[1] De Felice, Renzo (Rieti 1929-Roma 1996) historiador. Concentrou seus interesses sobre a historia do fascismo e sobre a figura de Mussolini.’
[2] Collotti, Enzo. Il fascismo e gli ebrei. Ed. Laterza Roma-Bari, 2003
[3] 1861 proclamacao do Reino da Italia; 1866, anexacao do Veneto; 1870 anexacao de Roma; 1918 da Venezia Giulia: Trento e Trieste.
[4] que aconteceu com um programa nacionalista :1882, conquista da Eritreia e da Somalia,
      1896, tentativa falida da conquista da Etiopia,
      1911-12, guerra contra a Grecia pela conquista da Libia,
      1935-36, conquista da Etiopia.

[5] Taradel, Ruggero; Raggi, Barbara. La segregazione amichevole. La civilta’ Cattolica e la questione ebraica 1850-1945. Editori Riuniti. Roma, 2000. p.3
[6] A Republica Romana foi proclamada a Roma (8/2/1849) da uma assenbleia costituine convocada depois a fuga de Pio IX (Novembro 1849). Governada  a partir de 29 de marco de 1849 por um triumvirado (G.Mazzini, C.Armellini e A. Saffi), transformou-se no centro politico do movimento nacional italiano. Foi demolida pelas tropas francesas em 3 de julho de 1849.
[7] Edgardo Mortara  foi raptado
[8]Taradel, R. Raggi, B., La Segregazione amichevole, Editori Riuniti Roma, 2000.
[9]Com base nesta afirmação pode ser feito um paralelo com a declaracao de G. Vargas que chegou a considerar os judeus um cisto no corpo da nação brsileira.
[10] Civilta’ Cattolica, 1884, serie XII, vol, V. p.622
[11] Cilta Cattolica,obra citada, p. 27
[12] Civiltá Cattolica, 1883, serie XII, vol. IV, p. 353
[13] Civilta’ Cattolica, serie XIII, vol. III, pp. 550; 670
[14] Civiltà Cattolica, obra citada, p. 32
[15] Civilta’ Cattolica, 1881, serie XI, vol. VI, p. 602; 735
[16] Johnson, Paul – História dos Judeus, Imago, Rio de Janeiro,1995, p. 173
[17] Taradel Ruggero; Raggi, Barbara, obra citada p.127
[18] Taradel Ruggero; Raggi, Barbara, obra citada, p. 155.
[19] Nome usado para indicar a região central da Etiópia, que compreende o Tigre’,o Scioa’, a Amara e o Goggiam
[20] Colloti, obra citada, p. 22
[21] Lidio  Cipriani, aderiu ao Partido Fascista e partilhou as ideias racistas pronunciando-se a favor da politica racial.
[22] Collotti. obra citada. p.37-38
[23] Maiocchi, Roberto (Milano, 1947), formou-se em engenharia elettronica (1971) e em filosofia (1975) presso l` Universita di Mlano. E coautore da Enciclopedia Multimediale delle Scienze Filosofiche e, leciona Historia  da Ciencia presso l`Uniersita di Milano. Varias sao suas obras publicads sobe este assunto
[24] www.quipo.it/novecento/interCollotti.html

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