TRATUTOR

quinta-feira, 3 de março de 2011

SOBRENOMES HEBRAICOS ITALIANOS COM BASE TOPONOMÁSTICA ESTRANGEIRA

Sabe-se que os nomes das famílias hebraicas italianas são na sua maioria formados por nomes das localidades de origem, que tornaram-se sobrenomes, na segunda metade do século XV. Esta situação não era uma exclusividade  dos grupos hebraicos porque alguns sobrenomes cristãs tinham a mesma caraterística, mas entre os hebreus esta peculiaridade sobressai pela escassez de raízes diferentes de sobrenomes devido a exiguidade dos núcleos e a uniformidade das estruturas sociais deles.
As comunidades judaicas expostas neste artigo são as do centro e as do norte da Itália,  por causa que os judeus foram expulsos, entre o fim do século XIV e o começo do XV, do sul do pais e das ilhas e nunca mais voltaram se não em tempos recentes e em quantidades mínimas.
Estas comunidades hebraicas italianas do centro-norte formaram-se pela confluência de três correntes migratórias: a primeira no fim do seculo XII de Roma ; a segunda, no mesmo secúlo, da Alemanha; e uma terceira, menor das outras, da França que estabeleceu-se principalmente no Piemonte.
Às três correntes junta-se, entre 1492 e 1497, aquela formada pêlos judeus serfaditas  expulsos da Espanha e do Portugal.
As varias etapas destas migrações espelham-se nos sobrenomes:- ao nome próprio de cada indivíduo põe-se ao lado a indicação da ultima proveniência, ou seja o lugar de origem da família .
As tabelas que seguem contem só os sobrenomes hebraicos -italianos com base toponomástica estrangeira ou seja de origens alemã, francesa e ibérica. Entres estes últimos estão incluídos os sobrenomes derivantes dos países da diáspora sefarditas depois das expulsões da península ibérica (Balcãs, Grécia e Turquia).
Juntara-se a estas tabelas um elenco de sobrenomes  derivantes de algumas localidades que não fazem partes das três categorias mencionadas.




Sobrenomes, italianizados, de origem alemã:

Alemanno
Aschenazi
Alpron
Amburgo
Basilea
Básola
Biel ou Brieli
Clava ou Clor
Cracovia
Dina
Frageste ou Fraista
Katzenelnbogen
Luzzatto
Minz e Levi Minzi
Moravia
Morpurgo
Norlenghi
Olmo
Ongaro
Polacco
Polonia
Praga
Spira
Strassburg
Tedeschi, Tedesco, Todeschini,
Treves
Vaila

Sobrenomes de origem francês:
Ambron
Arli

Balmes
Bedarida
Cabiglio ou Chabilio
Carcassone
Carmi ou Carmini
Carvaglio ou Caravaglio
Cavaglione
Chinon
Cuzzi
Diena
Egra
Foá ou Foa ou Fuá
Francese
Franchetti
Franchetta Hararí
Galli
Gallico
Jena ou Jenna
Lampronti
Lattes
Lunello
Migliau
Momigliano
Montel
Mornas
Nantua
Narboni
Nizza
Parigi
Poggetto
Provenzali
Romilli ouRomelli
Sarfatti
Segre ou Segré
Sestieri
Sullan
Tolosa
TrabottiTrabotti GallicoValabrega
Valobra


Sobrenomes de origem ibérica:
Albuquerque
Alcostantini
Algranati
Almansi ou Almanzi
Almeda e Franco d’Almeda
Alvalensi, Valensi, Valensin
Ara
Blanis
Campos
Cases
Castelan
Cattelan
Cordovero
Costa ou da Costa
Ce Leon
De Mora
De Paz ou De Pas
Del Rio
Della Vida
Errera
Farro
Ferro
Franco d’Almeida
Franco de Miranda
Ghiron
Ghirondi
Guetta
Lusena
Medina
Miranda
Montesinos
Navarra ou Navarro
Palma
Pardo
Pereira
Rubbio
Rubello
Sefardi
Soria
Toledano
Turchetto
Usque
Vais Villa Real
Valensi ou Valensin
Vega d’Almeda
Zamorani


Sobrenomes derivados de outras localidades:
Barcat
Boccara
Calabi
Candia
Coen Hemfis
Corfú
Da Fes
Fernandez Africano
Londin
Malta
Modon e Coen Modon


REGISTRO DE UM MOHEL PIEMONTÊS DE 1789 ATÉ 1837

REGISTRO DE UM MOHEL PIEMONTÊS DE 1789 ATÉ 1837


A família Reinish de Veneza conserva um manuscrito hebraico dedicado ao tema “circumcisão”. No artgo que segue, depois da descrição do manuscrito, está publicado um registro de oitenta e nove circumcisões feitas pelo mohel Israel de Avraham Refael Artom de 1789 a 1837.
O manuscrito consiste  em um registro de papel, com 59 folhas sem numeração, medindo mm 130x208, com texto de extensão mutável e número variável de pautas por página. Foi escrito em Piemonte por, no minimo, duas pessoas diferentes. O manuscrito, em estado de boa conservação, contém o brasão da família Artom em cores, é encadernado em couro  com decoração floreal impressa em ouro. Contém uma receita médica em italiano :-
“Composizione d’acqua stringente.....obtida pelo cirurgiaõ Prof. Gualandi Biella
e algumas provas de ortografia para escrita cursiva hebraica italiana e em letras de forma. Contém, também, reflexões cabalisticas sobre o sentido da circumcisão, rezas dedicadas ao mohel e ao padrinho, outras receitas e conselhos médicos em hebraico e italiano.
Sobrenomes de famílias judias, que constam no registro das circumcisões de Israel Artom, residentes nos lugares indicados no mapa do Piemonte :-



Artom
Artom     di Casale
Ben - Zion
Bo’az
Chajim
Chizqijáh
Coen
Coen    di Moncalvo
Debedetti
Debenedetti
Donati    di Asti
Foá
Jarach
     Katz     di Casale
     Katz      di Moncalvo
Kezighin
     Levi       di Carmagnola
     Levi        di Mondoví
Levi Belinsi (?) di  Algeri
Livnin
Luzzatti
Luzzatto
Montalcini
    Ottolenghi      di Acqui
    Pugliese          di Vercelli
    Pugliese          di AlessandriaSegre
    Segre              di Casale
    Segre              di Saluzzo
    Segre              di Vercelli
    Shímson
    Terracini
Treves
Valbrega


OS JUDEUS EM URBINO DESDE AS LEIS ANTI-JUDAICAS ATÉ A LIBERAÇÃO (1938-1944)

A pequena comunidade de Urbino é sobrevivente da decadência  do 1600/700, depois de uma época florescente entre os séculos XV e XVI “ quando  para os judeus esta cidade  representava uma segunda Jerusalém, em Itália, depois de Ferrara “.Quando foi constituído o ghetto , em 1633, os judeus de Urbino eram 369 e as famílias 64 (Ebrei a Urbino, M.L.Moscati Benigni),  e em 1718 as condições miseráveis de vida tinham reduzido a população do gueto a somente 200 pessoas, a maioria das quais mulheres idosas e crianças incapazes de se sustentar.
Conforme documento do  Arquivo Comune de Urbino no censo de 1853, os judeus eram 147, distribuídos em 31 famílias e 22 casas.
Depois da Unidade da Itália (1861) e a relativa emancipação, muito forte era a ligação dos judeus com a cidade em que alguns deles tinham conseguido uma condição social e econômica importante, participando, também nas atividades politico-administrativas.
R.Bachi  (no seu livro: La demografia degli ebrei italiani negli ultimi cento anni) aponta uma diminuição do número de judeus que eram 161 em 1869, 38 em 1931, e que foram reduzir-se a poucas famílias, objeto do censo nazista, em 1938. Esta diminuição é devida a migrações internas em direção ao centro-norte da Itália para  procurar melhores possibilidades econômico-comerciais, profissionais e de  aprendizagem .
Em 16 de agosto de 1938, o prefeito de Pesaro-Urbino ,Introna, enviou ao podestá  Paci em Urbino, uma carta confidencial em que requeria uma lista dos judeus residentes na cidade.
A lista completa dos censeados por chefes de familia, dos quais são especificadas as profissões, é a que segue:-


ASTROLOGO Ricca                                              Prenda domestica
BEMPORAD    Momolo c.f.                                  Artesão
COEN Angelo c.f.                                                  Dono de terra
COEN  Eugenio c.f.                                                Dono de terra
COEN  Renato                                                        Advogado
MOSCATI Alessandro c.f.                                     Guarda da sinagoga
MOSCATI Angelo c.f.                                           Dono de terra
MOSCATI Arturo c.f.                                            Dono de terra
PERUGIA Eva       c.f.                                           Dona de terra

Com um total de 29 pessoas

RELAÇÃO DOS NOMES CONTIDOS NA RUBRICA DOS ISRAELITAS DO ARQUIVO HISTÓRICO CÍVICO DE MILÃO

RELAÇÃO DOS NOMES CONTIDOS NA RUBRICA DOS ISRAELITAS DO ARQUIVO HISTÓRICO CÍVICO DE MILÃO

 
RELAÇÃO DOS NOMES CONTIDOS NA RUBRICA DOS ISRAELITAS DO ARQUIVO HISTÓRICO CÍVICO DE MILÃO

Os Judeus expulsos definitivamente do Estado de Milão, em 1597, voltaram para a cidade em numero significativo só a partir do inicio  do sec.191800 : por este motivo,  a descoberta de material documentando  tal emigração se reveste de particular importância.
No Arquivo Histórico Milanês foi achado um documento muito interessante :  uma rubrica com nomes de judeus residentes  em Milão desde os primeiros anos do 1800 e continuamente atualizada até  alguns anos depois da Unidade da Itália (1861). Está catalogado nesta, em ordem alfabética, cada núcleo familiar, conforme o sobrenome do chefe de família, especificando para cada indivíduo paternidade, maternidade, data e lugar de nascimento, período de residência em Milão, profissão, status e, às vezes, a data de morte.
A lista inclui também notas concisas sobre a posição no Registro Civil de cada indivíduo, seu comportamento moral, profissional e outras informações. Este documento, é na realidade, uma das mais antigas fontes que serviu para redigir, depois da Restauração e a conseqüente reativação de medidas discriminatórias contra os judeus, esta lista que registra os membros da comunidade hebraica.
O governo austríaco, sob cuja dominação achava-se o Estado de Milão, conservando para si o  Registro geral da população   e após corrigido as imprecisões, delegou para os ministros do culto católico  as registrações oficiais de nascimentos, mortes e casamentos. A partir de 1815, também aos Rabinos foi imposto de ter registros dos movimentos da comunidade judaica, dos casamentos e das eventuais mudanças de locação, tendo que dar conta de tudo isso cada três meses. Assim, o Registro geral da população (Ufficio del Ruolo) tinha, além da lista normal,  uma lista especial para os judeus. Estas listas, a partir do 1824, passaram sob o direto controle da direção da Polícia. A organização manteve-se inalterada até  1 de janeiro 1866 quando entrou em vigor o Código Civil  do Reino da Itália que revia todo o material documentado.
“La Rubrica degli Israeliti “, lista dos judeus, é muito importante em quanto única testemunha a provar a presença judaica em Milão que, antes  do 1820, era constituída só da uma lapide sita no jardim da igreja “ del Fopponimo “ na praça Aquileia, que tinha, entre os nomes dos benfeitores, os nomes  de dois judeus que fizeram doações em 1808 e 1828.
A lista que, por problemas de espaço, publicamos reduzida, relaciona  os nomes dos chefes de família e várias informações relativas às  pessoas domiciliadas e também nascidas na cidade em 1820. Preciosas são também as informações relativas aos números e às características das conversões, às profissões e aos lugares de proveniência.


 
Ariani Lederer
Leonino
Levi
Levis
Lichtenstern
Lieberman
Lolli
Lombroso
Loria
Lowemberg
Lowengard
Luzzatto
Luzzi
Maroni
Mondolfo
Moser
Massarani
Moskowicz
Muggia
Mendel
Montagnana
Milla
Munster
Norsa
Namias
Neuburger
Nizza
Neustaedter
Nachman
Olivette
Orefici
Ottolenghi
Ovazza
Pavia
Aron
Artom
Ascoli
Graziadio
Bacchi
Bambergi
Baruch
Basevi
Basilea
Bassani
Bassani Miracolo
Bassani vita
Bassano
Benedetti
Beruheim
Blum
Boch
Braitner
Calabi
Calabi vitale
Camis
Carmi
Carpi
Cavaliere
Chon
Civita
Clava
Coen
Coen Pirani
Cohen
Colombo
Colonia
Colorni
Cravus
Cuzzi
D’Ancona
D’Italia
Dach
De Angioli
De Benedetti
De chiares
Debora
Dina
Errera
Escorvitz
Fano
Finzi
Flechman
Foá
Formiggini
Forti
Frizzi
Fuchs
Gallizier
Grego
Guastalla
Hanau
Iaré
Iung
Karpf
Knappa
Kohn
Kandi
Lattes
Lattis
Lebrecht
Lebrecht
Lederer
Leonino
Levi
Levis
Lichtenstern
Lieberman
Lolli
Lombroso
Loria
Lowemberg
Lowengard
Luzzatto
Luzzi
Maroni
Mondolfo
Moser
Massarani
Moskowicz
Muggia
Mendel
Montagnana
Milla
Munster
Norsa
Namias
Neuburger
Nizza
Neustaedter
Nachman
Olivette
Orefici
Ottolenghi
Ovazza
Pavia
Pesaro
Pisa
Polacco
Pugliesi
Romanelli
Rosenfeld
Rocca
Raccá
Romano
Ravá
Rimini
Rovere
Sforni
Susani
Sinigaglia
Singer
Sacerdoti
Segré
Spindler
Susani
Schiff
Sommer
Schwatz
Scherp
Simeles
Schwartz
Spitzer
Schlesingher
Sanguinetti
Subert
Todros
Treves
Turnauer
Tedeschi
Trenk
Tedesco
Todeschini
Teglio
Vitali
Ventura
Vita
Valmarini
Viterbi
Wilheim
Weiss
Weil
Schott
Zamorani





INTOLERÃNCIA CONTRA OS JUDEUS ITALIANOS ENTRE A EMANCIPAÇÃO E AS LEIS RACIAIS FASCISTAS

Somente em época muito recente a historiografia italiana começou a refletir sobre as origens e sobre o percurso do racismo e anti-semitismo italiano, saindo dos estreitos limites dos anos da persecução fascista contra os judeus.
A questão judaica na Itália foi o assunto do livro pioneiro de Renzo de Felice[1]: Storia degli ebrei italiani sotto il fascismo (História dos judeus italianos na era fascista) que ficou, por muito tempo, uma contribuição isolada no panorama da historiografia. Nesse texto o autor afirma que não existiu anti-semitismo, antes e durante o fascismo, até a proclamação das leis raciais (1938) que, conforme o historiador Collotti, apareceram de repente como uns blocos de pedras caídos sobre um terreno virgem, estranhos a qualquer contaminação precedente.[2]
Nesta breve dissertação, à luz da revisão histórica sobre o surgimento do anti-semitismo (não do milenar antijudaismo) na Itália, irei propor algumas considerações  relativas ao período que vai da emancipação dos judeus italianos (1848) até a proclamação do das primeiras leis raciais (1948), cem anos depois.


Os acontecimentos, motivos de racismo e anti-semitismo no séc. XIX e na primeiras décadas do XX, foram os seguintes:
1-                                      A emancipação (1848) e a Unificação da Península italiana que aconteceu, em diferentes etapas, de 1861 até 1918.[3]
2-                                      O surgir da revista dos Jesuítas “Civiltá Cattolica”, em 1850.
3-                                      A política colonial e a construção do Império[4] entre 1882-1936
4-                                      O surgir do fascismo em 1922, e a Concordata com a Igreja Católica em 1929.
5-                                      O surgir do Sionismo e a lenta penetração das idéias sionistas entre os judeus italianos e, finalmente, a assunção da política anti-semita pelo governo fascista ate’ a declaração do Manifesto da Raça e das primeiras leis raciais (1938).

Pelo tempo a disposição é evidente que não será possível falar de todos eles. Mi limitarei aos primeiros três itens.
O que eu gostaria de demonstrar é que o anti-semitismo teve como premissa e preparação o racismo contra os negros africanos, (racismo que teve inicio com o Imperialismo italiano e continuou até a conquista da Etiópia em e a ação da revista Civiltá Cattolica que propagou uma visão do judaísmo demoníaca e deformada,  apelando à elaboração de leis excepcionais a serem aplicadas aos judeus.

1- Depois da emancipação, a primeira verdadeira demonstração de anti-semitismo laico liberal por parte dos italianos, o mesmo que, na opinião de Jean-Paul Sartre, a partir do Iluminismo, pede ao judeu de renunciar a sua diversidade em troca da emancipação aconteceu em 1873, quando o deputado veneto Francisco Pasqualigo, fez objeção à nomeação do judeu, Isacco Pesaro Maurogonato, como ministro das Finanças. Com esta objeção, antecipou as criticas à dúplice lealdade nacional dos judeus, criticas que se transformariam em corriqueiras depois do aparecimento do sionismo. Maraugonato, por sua parte, não aceitou o encargo com medo que a impopularidade de algumas eventuais escolhas pudessem recair sobre a Comunidade judaica. 

A revista, Civilta’ Cattolica”, surgiu em Nápoles em 6 de abril de 1850, tendo como idealizador um jovem jesuíta: Carlo Maria Curci.
No artigo dedicado à apresentação da revista, intitulado Il Nostro Programma (O nosso programa) Curci descrevia o jornalismo europeu como “filho da Revolução Francesa” que havia como propósito defender as idéias blasfêmias e anticristã, cheias de agnosticismo e ateísmo. “E’um fato irrefutável não existir no mundo outra civilidade alem da Européia e que na Europa a civilização foi obra cristã, católica, romana; quem tiver duvida disto pode ser convencido com uma simples olhada ao planisfério: existem, mesmo no dia de hoje, duas regiões uma totalmente e outra meio bárbara”[5].

As lutas de Civiltá Cattolica foram numerosas, movidas contra o liberalismo, a maçonaria, o modernismo e o comunismo, correntes entre as quais os judeus encontravam-se numerosos. O nascimento desta revista coincidiu com a restauração do Gueto em Roma por obra de Pio IX [6], e apesar de não ter apresentado, até 1858, analise alguma diretamente sobre o judaísmo, defendeu o comportamento do papa no caso Edgardo Mortara[7] testemunhando, assim, uma atitude negativa para com os judeus residentes no Estado pontifício.
Um ataque direito contra os judeus, porem, aconteceu em maio de 1872 quando foi publicado um artigo intitulado Il Golgota e il Vaticano, no qual o paralelo entre “a paixão de Cristo (quem aconteceu pela vontade dos judeus) e as angustias de Pio IX (devidas a criação do Reino da Itália), foi usado para explicar os motivos da tomada de Roma. O grande delito deste papa, aos olhos desta moderna Sinagoga de Belzebu, pela qual mereceu ser por ela crucificado é, portanto, similar ao grande delito, pelo qual a velha Sinagoga de Jerusalém condenou o Salvador à Cruz: o ser Jesus Deus e Pio IX seu Vicário. A tomada de Roma é assim apresentada como diretamente inspirada pelo demônio, e interpretada como um furioso ódio anticristão.”.[8]

Nos anos sucessivos, de 1878 ate’1938, com os papas Leon XIII, Pio XI e Pio XII, a revista Civilta’ Cattolica seguiu, com seus artigos, o desenvolvimento dos acontecimentos: desde a luta contra a maçonaria, que foi considerada como uma “obra dos judeus”, e a por em evidência que os judeus constituíam um grupo não somente religioso, mas também nacional e racial e, como tal, podiam ser considerados UM CORPO EXTRANHO NO TECIDO DE TODAS AS OUTRAS NACOES [9]. Em 1881, um artigo da revista afirmava “são de fato por religião cristãos os espanhóis, os italianos, os franceses etc.: mas continuam sendo por raça e nacionalidade espanhóis, franceses e italianos. Pelo contrario os de religião judaica são também judeus de raça e nação, nunca são italianos, espanhóis ou franceses, mas sempre judeus, nada mais que judeus” .[10]
“Assim, deveria ser feito com os judeus o mesmo que se faz com a PESTE; esta não pode ser extirpada, mas pode ser circunscrita, diminuindo o que não pode ser anulado, minorando suas forcas e tirando seus alimentos”.[11]
A revista continuou, durante todo o século XIX, em seu ataque contra os judeus, acusando-os do uso do sangue cristão em seus ritos, a julgándo-os e condenándo-os apesar dos processos nos quais eram absolvidos. Os veredictos de absolvição eram interpretados como uma ulterior prova da potencia judaica capaz de adquirir, com ouro e chantagem, juizes e jurados.[12]
 Entre 1886 e 1887, a revista publicou uma serie de artigos que procuravam demonstrar como, ao longo do curso da historia, os judeus tivessem sempre perseguido os cristãos. Estes artigos que apareceram em fascículos semanais, com o titulo Dell`ebraica persecuzione contro il Cristianesimo (Sobre a perseguição judaica contra o cristianismo), afirmavam que as perseguições anticristãs dos imperadores romanos, a partir da época de Nero até Constantino, foram instigadas, secretamente, pelos judeus: “Os cristãos foram sempre perseguidos por Nero e seus sucessores, devido somente à sua religião que os pagãos conheciam exclusivamente através das calunias judaicas, fonte de todas as perseguições até as modernas. Nestas ultimas, escondidas sob a face da maçonaria e do liberalismo, os judeus lutam contra os cristãos, como antes os perseguiam sob a mascara do paganismo, sempre gritando e afirmando, como sempre o fizeram, de serem eles mesmos as nossas vitimas inocentes”.[13]
Evidentemente, a campanha anti-semita perpetrada pelo papa e pelas altas hierarquias católicas através da revista Civiltá Cattolica, havia como finalidade demonizar o judaísmo, apontando-o como o responsável secreto da maçonaria e do liberalismo e construindo, quase do nada, o mito da conspiração judaica contra a humanidade. Pela Igreja era importante  bloquear a afirmação e a difusão dos princípios liberais, laicos e igualitários, que acabariam transformando a sociedade européia até o ponto de diminuir, gravemente, seu papel. [14]
Comentando os pogrom da Rússia em 1881 (depois do assassinado de Alexandre II), os jesuítas chegaram a dizer que: se a raça judaica, única entre todas as raças, foi sempre tão odiada deveria obrigatoriamente existir nela uma razão estimulante que provocaria rancor e ódio continuo por parte de todas as raças.[15]

A solução do problema judaico, conforme sugerido por parte dos jesuítas da Civiltà Cattolica, seria então uma segregação amigável. Esta segregação iria confirmar, dezenas de século mais tarde, a tese de S. Agostinho (354-430) pela qual os judeus e o judaísmo não podiam ser extirpados: os judeus, por sua mera existência, eram parte do projeto de Deus, já que eram testemunhas da verdade do cristianismo, simbolizando com seu fracasso e humilhação o triunfo da igreja sobre a sinagoga. A política da igreja, portanto, consistiria em permitir que pequenas comunidades judaicas sobrevivessem em condições de degradação e impotência.[16]
Reinterpretando este conceito à luz dos acontecimentos dos séculos XIX e XX a Igreja apresentava-se como a única estrutura capaz de proteger os não judeus da ameaça judaica e, no mesmo tempo, os próprios judeus dos excessos da legitima defesa dos outros povos sugeria a solução de uma segregação amigável: ou seja, uma espécie de novo gueto onde fechar os judeus, não ainda convertidos, à espera desta conversão.
Porém, os Cristãos alimentavam uma esperança: a Conversão de Israel. Esta seria a solução definitiva, com a condição, porém, que os judeus, se tornando cristãos, perdessem sua nacionalidade judaica (...) [17]

A revista Civiltá Cattolica não apresentou, depois da guerra, alguma reflexão critica. A linha seguida foi a da remoção pura e simples. Não somente a “questão judaica” desapareceu de sua paginas como se nunca tivesse existido, mas foi cancelada, também, qualquer referência às suas campanhas anti-semitas.[18] 

O terceiro ponto diz respeito à Política colonial.

A experiência colonial italiana é vista como um acontecimento sobre o qual exercitaram-se as primeiras teorizações racistas que, na metade dos anos trinta, ofereceram as bases da discriminação racial a cargo dos povos africanos, habituando os italianos ao discurso racista ate’ induzi-los a considerar o racismo um fato normal.
A partir das primeiras conquistas coloniais européias na África, antropólogos e etnógrafos puseram em evidencia não somente as diferencias entre as raças brancas e negras mas, também, a presencia de caracteres superiores na raça branca. A conquista colonial da Abissínia [19], por parte da Itália, e o encontro com os povos africanos, tiveram como conseqüência o surgir do conceito de “contaminação” do povo italiano com a raça negra.[20]
Era transmitida uma imagem do negro na qual alternava-se o mito do “bom selvagem” e a “deformação física do negro”, no qual os caracteres como: lábios, nariz, pés e mãos, eram grosseiramente aumentados não somente, para pôr em evidência as diferencias, mas, mais do que isso, para solicitar horror e nojo (VER A MESMA COISA FEITA POR LATOUR, quando embaixador na Polônia em, 1936).
Os negros eram descriminados enquanto diferentes biologicamente (ex: o cérebro era considerado menor), pelo desequilíbrio psíquico que devia apresentar-se nos mulatos, pela tendência ao regresso no lugar do progresso
Quando, com a conquista do Império, o contato direto entre as duas raças estava ficando inevitável, a tarefa de dar aos italianos uma adequada consciência racial juntou-se à obrigação de defendê-la de qualquer intrusão não desejável. O professor Cipriani[21], auxiliar de Antropologia na Universidade de Florença, sugeriu como evitar esta contaminação: para os residentes na África foi excogitado um regime de apartheid enquanto, para os súditos coloniais que se encontravam na Itália a solução foi a expulsão da península. Esta ultima medida mexeu profundamente com os discriminados que se encontravam legalmente presentes na sociedade italiana e, às vezes, ligados sentimentalmente ou juridicamente (casados).
Ainda antes que nas leis contra os judeus o preconceito contra o diferente teria, assim, seus fundamentos sobre a predisposição psicologia já fomentada contra os negros.
O sentimento de superioridade da raça branca, misturou-se com as ambições e as aspirações da política do Exterior fascista, com suas exigências de prestigio e seus mitos de potência.
Na campanha contra os judeus, também, foi aplicada a mesma idéia obsessiva da “contaminação” e, como conseqüência, a perda de valor (substancia) da raça italiana que derivaria da mistura de povos de origens diferentes..

Pouco antes do inicio da discriminação contra os judeus, a conquista da Etiópia ofereceu a ocasião para promulgar as primeiras normas realmente racistas, discriminatórias e segregacionistas. A primeira destas providencias foi a elaboração do Rejo Decreto de Lei publicado em 9 de abril de 1937 destinado as relações de tipo conjugais entre cidadãos e súditos: “O cidadão italiano que no território do Reino ou das Colônias, mantêm relações de tipo conjugais com pessoas súditas da África Oriental Italianas ou estrangeiras, pertencentes a população que tenha tradições, costumes, ou conceitos jurídicos e sociais parecidos aos súditos da África Oriental Italiana, será punido com a reclusão de um ate cinco anos”.
Neste contexto a inserção, em 17/11/1938 dos Provvedimenti per la difesa della razza italiana no quadro da campanha contra os judeus que proibiam os casamentos entre cidadãos italianos de raça ariana e pessoas pertencentes a outra raça, personalizava e generalizava o principio contido no decreto do abril de 1937, proclamando o ilícito penal do casamento nestas condições. A confluência neste ponto entre a legislação racial colonial e a legislação antijudaica exprima uma conexão lógica e conceitual totalmente indissociáveis: eram dois galhos que saiam do mesmo tronco.[22]
Conforme o professor Maiocchi[23] “a imagem do negro universalmente difundida entre os italianos se transformara no cavalo de Tróia por meio do qual o racismo anti-semita será feito penetrar na Itália.”
Estabelecer então, uma ligação entre racismo colonial e racismo antijudaico, e a continuidade entre os dois, é fundamental para entender como a maioria da população acostumou-se ao discurso racista e como não houve alguma manifestação de divergência e desaprovação. Além disso, a ligação entre racismo-colonial e racismo-antijudaico  ajuda a entender como o papel da Alemanha na proclamação das leis fascistas consistiu numa influencia indireta. Esta oferecia uma moldura européia na qual podia ser inserida a perseguição na Itália, não por um simples oportunismo do regime frente ao mais potente partner do Eixo, mas por uma  ciente escolha política.[24]   

 BIBLIOGRAFIA
- Taradel, Ruggero; Raggi, Barbara, La segregazione amichevole. La Civiltà Cattolica e la questione ebraica 1850-1945. Ed. Riuniti, Roma, 2000
- Collotti, Enzo, Il fascismo egli ebrei. Ed. Laterza. Roma-Bari,2003
- Molinari, Maurizio, Ebrei in Italia: un problema di identitá (1870-1938). Ed. Giuntina, Firenze, 1991
- Revista Civilta Cattolica. Os trechos citados provem do livro de Taradel e Raggi, La segregazione amichevole.








[1] De Felice, Renzo (Rieti 1929-Roma 1996) historiador. Concentrou seus interesses sobre a historia do fascismo e sobre a figura de Mussolini.’
[2] Collotti, Enzo. Il fascismo e gli ebrei. Ed. Laterza Roma-Bari, 2003
[3] 1861 proclamacao do Reino da Italia; 1866, anexacao do Veneto; 1870 anexacao de Roma; 1918 da Venezia Giulia: Trento e Trieste.
[4] que aconteceu com um programa nacionalista :1882, conquista da Eritreia e da Somalia,
      1896, tentativa falida da conquista da Etiopia,
      1911-12, guerra contra a Grecia pela conquista da Libia,
      1935-36, conquista da Etiopia.

[5] Taradel, Ruggero; Raggi, Barbara. La segregazione amichevole. La civilta’ Cattolica e la questione ebraica 1850-1945. Editori Riuniti. Roma, 2000. p.3
[6] A Republica Romana foi proclamada a Roma (8/2/1849) da uma assenbleia costituine convocada depois a fuga de Pio IX (Novembro 1849). Governada  a partir de 29 de marco de 1849 por um triumvirado (G.Mazzini, C.Armellini e A. Saffi), transformou-se no centro politico do movimento nacional italiano. Foi demolida pelas tropas francesas em 3 de julho de 1849.
[7] Edgardo Mortara  foi raptado
[8]Taradel, R. Raggi, B., La Segregazione amichevole, Editori Riuniti Roma, 2000.
[9]Com base nesta afirmação pode ser feito um paralelo com a declaracao de G. Vargas que chegou a considerar os judeus um cisto no corpo da nação brsileira.
[10] Civilta’ Cattolica, 1884, serie XII, vol, V. p.622
[11] Cilta Cattolica,obra citada, p. 27
[12] Civiltá Cattolica, 1883, serie XII, vol. IV, p. 353
[13] Civilta’ Cattolica, serie XIII, vol. III, pp. 550; 670
[14] Civiltà Cattolica, obra citada, p. 32
[15] Civilta’ Cattolica, 1881, serie XI, vol. VI, p. 602; 735
[16] Johnson, Paul – História dos Judeus, Imago, Rio de Janeiro,1995, p. 173
[17] Taradel Ruggero; Raggi, Barbara, obra citada p.127
[18] Taradel Ruggero; Raggi, Barbara, obra citada, p. 155.
[19] Nome usado para indicar a região central da Etiópia, que compreende o Tigre’,o Scioa’, a Amara e o Goggiam
[20] Colloti, obra citada, p. 22
[21] Lidio  Cipriani, aderiu ao Partido Fascista e partilhou as ideias racistas pronunciando-se a favor da politica racial.
[22] Collotti. obra citada. p.37-38
[23] Maiocchi, Roberto (Milano, 1947), formou-se em engenharia elettronica (1971) e em filosofia (1975) presso l` Universita di Mlano. E coautore da Enciclopedia Multimediale delle Scienze Filosofiche e, leciona Historia  da Ciencia presso l`Uniersita di Milano. Varias sao suas obras publicads sobe este assunto
[24] www.quipo.it/novecento/interCollotti.html