Algumas miniaturas presentes
na Bíblia Hebraica imprimida em Brescia por Gershom Soncino em 1494.
A Itália foi sempre um autentico centro, seja do ponto de
vista cultural que geográfico. É aqui que se estabeleceu a primeira comunidade
judaica na Europa: a presencia judaica em Roma é precedente à queda do segundo
Templo. Os Judeus italianos apesar de não serem particularmente numerosos (nos
momentos de maximo esplendor nunca superaram as cinqüenta ou sessenta mil
pessoas) se distinguiram por sua extraordinária vitalidade cultural e por sua
ampla produção de obras literárias em hebraico sobre os mais diferenciados
assuntos: ritualística e arte oratória, filologia, filosofia, cabala e muitas
outras disciplinas, além de, naturalmente, a poesia e a teoria poética.
Na Itália se encontra um verdadeiro tesouro de manuscritos
hebraicos: tipografias judaicas surgiram já no séc. XV, na época dos
incunábulos, em Bologna, Mantova, Soncino, Napoli, Brescia.
Nas tipografias de Veneza (desde 1517), de Padova (desde 1562),
de Mantova e, mais tarde, naquelas de outras cidades foram impressos
milhares de livros, desde pequenos fascículos e folhetos até obra muitos
importantes, como as publicações da Bíblia com os principais comentos
medievais, do Talmud e do Zohar, destinadas estas últimas a serem
consideradas como edições de referencia.
De 1200 até 1600 os livros que saíram das mãos dos judeus
italianos, antes manuscritos e depois estampados, constituíram um desejado
tesouro para cada família judaica; a partir de 1700 tornaram-se umas
importantes propriedades das maiores
livrarias publicas e particulares do
mundo.
Entre as várias manifestações artístico-literárias que
acompanharam o ressurgir da civilidade italiana, e que tiveram seu berço nas
maiores cortes da Itália, a bibliofilia constituiu a paixão artística dominante
para os judeus.
O escriba entre os judeus não era o simples experto de
caligrafia, o copista servil come se encontrava entre os romanos e na baixa
Idade Media, ele considerava a si mesmo como o propagador da sabedoria dos
livros sagrados e dos comentários e para ele o ato de copiar um livro
correspondia a uma espécie de exercício espiritual.
Conforme o conceito judaico, os amanuenses e os primeiros
estampadores foram personagens que
tinham o mesmo valor. As obras dos dois eram consideradas um trabalho sagrado e
para diferencia-los se dizia, poeticamente, que
a estampa era a arte de escrever
com muitos lápis.
Em 1475, trinta e cinco anos depois da invenção alemã dos
caracteres de estampa moveis, apareceram na Itália os dois primeiros livros
hebraicos imprimidos; estes foram impressos respectivamente a Reggio Calábria,
por obra de Abraham bem Garton e outro a Piove di Sacco,
perto de Padova, por obra de Meshullam Cusi.
Entre as centenas e mais obras hebraicas publicadas na
Itália em 1500 o nome dos Soncino aparece em pouco menos do que da
metade.
A família Soncino provinha de Spira, na Alemanha;
na metade de 1400, um dos seus membros emigrou para a Itália e pouco depois
conseguiu a autorização para abrir um banco em Soncino, perto de
Cremona. O banco floresceu e o banqueiro adotou o nome de sua nova residência
como sobrenome. Na segunda geração desta família se salientou Israel Nathan
que, além de trabalhar no banco, exercia a profissão de medico e tinha uma
grande cultura em campo hebraico. Em 1478 a abertura de um dos Monti di
Pietá em Soncino (bancos de empréstimo sem juros, fundados pela
Igreja para concorrer com os bancos judaicos) provocou o encerramento do banco
judaico; dois anos depois o medico-banqueiro decidia de abrir com os filhos, Mosé
e Josuá Salomon, e os netos uma gráfica. Desta saíram entre 1483 e
1490 a Bíblia, uma serie de tratados do Talmude, o Machzor,
conforme o rito italiano, e outras obras todas curadas nos mínimos detalhes
seja nos textos que na apresentação. Depois da morte de seu fundador, que
aconteceu em 1489, o nome e o emblema dos Soncino peregrinaram de uma
cidade a outra: Brescia, Barco, Veneza, etc.
Gershom Soncino, filho de Moisé, foi
considerado o maior impressor judeu de todos os tempos. Depois de uma tentativa
de estabelecer-se em Veneza acabou ficando no centro da Itália entre as Marche
e a Romagn.
A Bíblia das quais são reproduzidas algumas paginas fazem
parte da terceira edição que saiu de sua gráfica em Brescia no fim de
abril de 1494 (19-25 do mês judaico de Siwan). Esta consiste de 586
folhas imprimidas sem paginação com o texto distribuído sobre vinte e seis linhas por pagina, com os Salmos em duas
colunas. O numero dos salmos é de 149, enquanto alguns são unidos em um só e
outros divididos em dois. Os caracteres escolhidos por Soncino são parecidos
com os que eram usados nas precedentes edições de textos bíblicos, mas menores,
ou seja as letras são similares ás grafias quadradas de tipo italiano com
influxos sefarditas.
Foi esta a edição hebraica, usada por Lutero na sua
tradução da Bíblia em alemão. Alguns pensam que ele a escolheu por a qualidade
da recensão que ela continha, outros por sua maneabilidade, tendo esta um
formado de bolso.
Anna Rosa Campagnano Bigazzi
AHJB, Arquivo Histórico Judaico Brasileiro e SGJB,
Sociedade Genealógica Judaica Brasileira.
Bibliografia
La Bibbia Ebraica Soncino de Brescia del 1494 em Os
judeus a Castengandolfo – textos organizados por Mario Perani – Ed.
Giuntina Firenze, 1998, pp. 143; 145 e tav.2; 3; 5; 9.
Attilio Milano – Storia degli ebrei in Italia –
Giulio Einaudi Editore, 1963,
pp.640-641
Dan Pagis. Caratteri generali della poesia ebraica
italiana
Em Rivista Mensile D’Israele - V. LX – N.1-2, 1994
Tab.2 – Brescia, Biblioteca
Queriniana, Bibbia ebraica Soncino, 1494, Baroncelli, Incun. N.
173, primeiro exemplar: friso com uma miniatura de outra mão, representante a
oferenda de um sacrifício sobre o monte de Jerusalém.
Tab.3 – Brescia, Biblioteca
Queriniana, Bibbia Ebraica Soncino, 1494, Baroncelli, Incun.
N. 173, primeiro exemplar:
ornamentação policroma da pagina inicial de Números, com uma figura de
carneiro acocorado sobre um altar.
Tab. 4 – Brescia,
Biblioteca Queriniana, Bibbia ebraica Soncino, 1494, Baroncelli, Incun.
N. 173, primeiro exemplar:
ornamentação em policromia e ouro da pagina inicial do Deuteronômio.
Tab. 5 – Brescia,
Biblioteca Queriniana, Bibbia ebraica Soncino, 1494, Baroncelli Incun.
N. 173, primeiro exemplar:
frisos e ornamentação com motivos floreais da pagina inicial do Cânticos dos
cânticos, com a representação da mulher-amante adormecida, rodeada por
lírios e campânulas.
Tab. 9 – Brescia,
Biblioteca Queriniana, Bibbia ebraica Soncino, 1494, Baroncelli Incun.
N. 173, primeiro exemplar:
frisos em policromia e ouro nos margens ao redor da folha inicial dos Salmos;
na pagina branca, ao lado, um outro
artista representou os instrumentos musicais do saltério.
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