IMIGRAÇÃO JUDAICA ITALIANA NO BRASIL DE 1938 A
1941
Anna Rosa Campagnano Bigazzi
As graves crises com repercussões econômicas e
sociais posteriores a Unificação
Italiana (1861-1870) e a Revolução Industrial,
que substituiu a mão de obra pelas
máquinas, levaram os proprietários de terras,
arrendatários e assalariados à
miséria.
Assim além da miséria, as doenças (como a
pelagra, o escorbuto, a tuberculose e o
raquitismo), causadas pela precária situação de
vida dos camponeses e as pragas
que atacavam as plantações de pimenta-preta,
vinhedos, arrozais e oliveiras (que
prejudicavam também a criação do bicho da seda),
etc. foram as causas da
emigração italiana a partir de 1875.
Outros fatores que favoreceram a emigração em
massa dos italianos foram,
também, o constante deslocamento de camponeses
que, sem especialização e
contrato de trabalho, viviam perambulando de um
lado para outro sem emprego
fixo, procurando as colheitas da estação e, em
estações improdutivas tornavam-se
pedreiros, tecedores, ceramistas, marceneiros,
etc.
Despertados pelos anúncios das agências de
emigração e pela propaganda, muitas
vezes enganosa, publicada nos jornais italianos
esta população humilde embarcou
rumo aos paises da América do Norte e do Sul,
além da Austrália e da Nova
Zelândia. Os primeiros emigrantes foram
principalmente os camponeses do norte
da península.
Entre 1878 e 1920, houve a Grande Emigração e,
conforme dados do IBGE
entraram cerca de 1.331.158 italianos que
representam mais dos 39% da
emigração total no Brasil.
Para regular estes fluxos emigratórios foram
formuladas na Itália muitas leis, entre
as quais podemos citar a nº. 5877, de 30 de
setembro de 1888, sobre a plena
liberdade de emigrar e normas comportamentais; a
nº. 23, de 31 de janeiro de
1901 que criou um órgão específico, o
Comissariado Geral da Emigração (CGE), que
estava subordinado ao Ministério do Exterior e
deveria administrar todas as
instituições que, na Itália e no exterior, se
ocupariam da proteção dos emigrados.
Este organismo gerenciava, também, o Fundo para
Emigração, que recebia uma
taxa de oito liras para o transporte de cada
emigrante. Em 26 de março de 1902,
foi promulgado o Decreto Prinetti (nome do
ministro do Exterior), que proibiu a
emigração subsidiada para o Brasil de grupos
coletivos, devido ao excessivo
endividamento dos emigrantes com os doadores de
trabalho brasileiros. A
emigração somente seria permitida mediante
contratos aprovados pelo CGE.
A estrutura econômica do Brasil, herdada dos
tempos coloniais baseava-se em três
elementos: latifúndio, agricultura de exportação
e trabalho escravo.
Como conseqüência a entrada dos emigrantes a
partir do século 19 direcionou-se
para dois focos: a pequena propriedade agrícola,
principalmente nos estados do
Sul, e as fazendas de café do oeste paulista,
onde os italianos eram empregados
como mão-de-obra assalariada. Foi esta ultima
opção que predominou no país
durante as primeiras décadas do século 20,
momento áureo da produção cafeeira
no Estado de São Paulo.
Se considerarmos a história da imigração no
Brasil, podemos constatar que os
italianos entraram no país em fases diferentes.
Entre 1500 e final de 1600 houve uma limitada
entrada de viajantes italianos
representada por personalidades da cultura ou de
extração social elevada. Com a
chegada da imperatriz Maria Cristina, irmã do Rei
das Duas Sicílias, mulher de Dom
Pedro II e mãe da Princesa Isabel, vieram alguns
cortesões e artistas italianos.
Entre 1820-1840, entraram no Brasil refugiados
políticos italianos como G.
Garibaldi, Tito Livio Zambeccari
e Libero Badaró.
No periodo entre 1890 e 1906, chegaram os
anarquistas italianos que, entre
outros, contribuiram ativamente com o movimento
operário no Brasil.
Em 1890 foi criada, pelo italiano Giovanni Rossi,
a Colônia Cecília, cujo lema,
escrito inclusive na entrada era “Sem lideres nem
patrões”. Zelia Gattai em seu
livro “Città di Roma” narra a experiência de sua
família que fez parte dos pioneiros
fundadores desta Colônia. Paralelamente a estas
emigrações, entre 1880 e 1924,
aconteceu a Grande Emigração.
Em 1870 pelo que concerne a situação dos judeus
italianos, que até este período
viviam em guetos (instituídos em 1555), podemos
afirmar que estes, com a
Unificação, tornaram-se socialmente,
economicamente e politicamente iguais aos
outros italianos; assim eles não sentiram
necessidade de emigrar para melhorar
seu estado de vida. Alguns judeus, porem,
emigraram e apesar de não existir uma
estatística especifica sobre quantos destes
chegaram ao Brasil durante a Grande
Imigração, podem chegar a algumas dezenas. De
fato, existem em estudos sobre a
emigração italiana (em particular, no livro
“Italianos no Brasil” de Franco Cenni)
nomes de italianos judeus que podem ser
identificados como tais por seus
sobrenomes. Nos túmulos de judeus sepultados no Cemitério
de Vila Mariana, em
São Paulo, antes de 1930 há judeus italianos.
(NOTA Os sobrenomes foram
comparados com os encontrados no antigo texto de
Samuele Schaerf “Os
sobrenomes dos judeus italianos” que recolhe
cerca de 10.000 sobrenomes). Para o
período que vai do começo de 1900, podemos citar
os nomes Lattes, Levi, Mayer,
Lopes, Servadio e até um Mazzini, provavelmente
filho de casamento misto onde a
mãe devia ser judia.
Com a chegada ao poder de Mussolini, em 1922,
chegaram ao Brasil, alguns
emigrantes fascistas, considerados, pelo Estado
Italiano um meio de irradiação das
idéias políticas. Esta emigração teve como
conseqüência manifestações da parte do
antifascismo ítalo-brasileiro e a fundação, em
1923, do primeiro jornal antifascista
“La Difesa” por iniciativa
de Antonio Piccarolo (1863-1947).
A partir do final de 1938, inicio 1939, aconteceu
a emigração dos judeus italianos
que fujiam do fascismo e das leis raciais de
Mussolini, procurando encontrar no
Brasil, um lugar onde viver livremente e seguir
suas próprias tradições, sem medo
ou diferenciação.
Os judeus italianos chegaram ao Brasil durante o
Estado Novo, quando da restrição
à imigração efetuada em nome “da construção de
uma nação forte, de uma raça
eugênica e da proteção ao trabalhador”.
Não era fácil obter os vistos para a entrada no
país. Através de pesquisas efetuadas
no AHI no Rio de Janeiro, encontrei poucos vistos
indeferidos a pessoas
identificadas. Porém numerosos são os documentos
que demonstram que os
Consulados brasileiros em várias cidades
italianas, entre as quais Trieste, Genova e
Livorno, negaram vistos a semitas durantes meses
seguidos, apesar de terem
recebidos centenas de pedidos.
Texto
integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e
Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
Assim não é possível calcular o numero exato dos
vistos negados; vistos que
continuaram a ser negados também depois do fim da
Segunda Guerra Mundial, com
duas Circulares Secretas, durante o governo Dutra
e quando Jorge Latour era
Presidente do CIC, Conselho de Imigração e
Colonização. Dos judeus italianos que
foram entrevistados, a maioria obteve seus vistos
por meio de cartas de chamadas,
amizades, corrupção, falsas identidades de
trabalho, convite por parte de
Universidades brasileiras (como no caso de
Giorgio Mortara).
O censo de 22 de agosto de 1938 computou 57.425
pessoas (pessoas de raça
judaica, ou seja, com no mínimo um dos pais
judeus). Na realidade o numero
verdadeiro de judeus identificados neste censo
foi mantido em segredo para não
revelar o numero real inferior a quanto propagado
pela mídia fascista.
Destes judeus, a partir de 1938 expatriaram cerca
de 6.000 judeus de
nacionalidade italiana o que corresponde a 12,6%
da população judaica recenseada
em 1938.
Os personagens a serem considerados nesta
palestra são de um lado os judeus
italianos e Mussolini, e do outro Vargas e
Oswaldo Aranha.
Entre esses personagens se insere o papel do
Secretario da Embaixada brasileira
em Roma, Jorge Latour (1937-1938), presente no
período da preparação e
proclamação das leis raciais.
Este diplomada elaborou, por determinação do
embaixador brasileiro na Itália,
Adalberto Guerra Duval, dois detalhados
relatórios sobre a “Questão Racial na
Itália” destinados ao Ministro dos Negócios
Exteriores no Brasil (O. Aranha).
Resulta evidente nestes relatórios a simpatia
pelo regime fascista e por Mussolini
por parte do embaixador e do secretário, enquanto
transpira a intenção não
somente de informar quanto à de estimular uma
atitude por parte do governo
Vargas a emular e seguir, a mesma política
racista e anti-semita do governo
fascista italiano que abrangia segundo o
embaixador, aspectos de preservação da
raça italiana, incluindo um programa anti-semita
apoiado em fundamentos de
ordem social e racial.
A atitude do governo Vargas, durante o Estado
Novo, contra a entrada de judeus
no Brasil se processou de forma secreta,
sistemática, controlada pelo Ministério das
Relações Exteriores através de circulares
secretas, memorandos e ofícios. Os
componentes anti-semitas do regime Vargas foram
assimilados pela antiga
oligarquia portadora de valores católicos e de
uma tradição racista da elite, e, em
parte, pela classse media emergente caracterizada
por valores burgueses e
urbanos.
Oswaldo Aranha é um personagem muito discutido.
Apesar de ter favorecido a
formação do Estado de Israel como Presidente da
Assembléia da ONU em 1948
(talvez para evitar que as correntes dos judeus
deslocados da guerra ou
sobreviventes do Holocausto viessem a se
refugirar no Brasil?), assinou todas as
Circulares Secretas (feita exceção pela n.
1.1127, de 7/6/1937) sendo responsável
na época pelo Ministério do Exterior Mario de
Pimentel Brandão. Aranha, em
30/11/1937, vetou às companhias de navegação de
vender passagens aos judeus,
pois seria proibida sua entrada no Brasil e vetou
a entrada de 500 crianças judias
que acabaram sendo enviadas para os lager.
Mussolini teve uma posição ambígua, oportunista e
não objetiva para com os
judeus e com o sionismo. Pouco antes do inicio da
discriminação contra os judeus,
a conquista da Etiópia (1935-1936) ofereceu-lhe a
ocasião para promulgar as
primeiras normas racistas, discriminatórias e
segregacionistas na Itália. A primeira
Texto
integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e
Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
destas foi a elaboração de um Decreto-Lei (9 de
abril de 1937) destinado à
proibição das relações de tipo conjugais entre cidadãos
italianos e negros. Assim a
imagem deformada do negro difundida entre os
italianos se transformou no cavalo
de Tróia por meio do qual o racismo anti-semita
penetrou na Itália.
Ao magma ideológico-político do nacionalismo
alemão e italiano, até a véspera da
Segunda Guerra Mundial, se misturavam várias
correntes multiformes: a
antropologia racial obcecada pela idéia de um
domínio “ariano”, o darwinismo social
fundado sobre o conceito de “seleção natural” e a
“eugenia” dos mais fortes, cujas
correntes mais radicais projetavam utopicamente a
fabricação artificial de uma
espécie superior.
No Brasil, o argumento principal era o projeto de
povoamento executado pelo
Conselho de Imigração e Colonização e diretamente
subordinado à Presidência da
Republica. Esse projeto de ocupação do território
nacional foi levado adiante por
Vargas, numa versão renovada das idéias de
branqueamento.
Neste contexto devem ser analisados os dois
relatórios organizados por Jorge
Latour, por determinação do embaixador em Roma Adalberto
Guerra Duval, e
enviados pra Oswaldo Aranha, Ministro do Estado
das Relações Exteriores desde
1937.
Para A. Duval, a finalidade fascista de preservar
a raça itálica era um tema de
inegável importância a ser imitado pelo o Brasil,
razão pela qual os relatórios
encomendados a Jorge Latour tinham como objetivo
principal convencer Vargas e
Aranha a assumir uma posição contra os judeus, a
fim de preservar a nação das
raças indesejáveis ou inassimiláveis: Oficio n.
203, Campanha racista. 640.16 96
AHI, enviado por O. Aranha, ministro das Relações
Exteriores em Roma 16 de
agosto de 1938.
Os judeus italianos refugiados em São Paulo,
entre 1938 e 1941, se
autodenominaram “Colonia Mussolini” pelo fato que
foi devido às leis racistas de
Mussolini que eles decidiram deixar a Italia e
emigrar para o Brasil. A maioria dos
emigrantes escolheu o Brasil como ultima opção,
como o único pais do qual
conseguiram um visto de entrada. Muitos deles não
sabiam quase nada sobre este
país, mas depois ficaram satisfeitos pela escolha
feita, considerando o povo
brasileiro acolhedor e prestativo.
O emigrante, em geral, está sujeito a ter
momentos de desamparo, como
insegurança e angústia. Apesar da ajuda recebida,
encontrar-se longe de casa e da
família e as dificuldades de adaptação ao novo
ambiente facilitaram a saudade e
episódios de depressão, especialmente entre as
mulheres.
Poder-se-ia falar de verdadeiros traumas que
acompanharam esta emigração racial,
traumas que depois de um período de latência,
variável com a história de cada um,
mostrou seus efeitos profundos e duráveis.
Tendo realizado muitas entrevistas com filhos de
judeus italianos, que partiram
junto com os pais em 1939 ou nasceram no Brasil,
e, infelizmente, com poucos dos
que decidiram deixar a Itália, posso afirmar que
estes foram submetidos a várias
situações potencialmente traumáticas.
Como exemplo cito o depoimento de Fulvia Iesi Di
Segni, uma judia de Trieste que
chegou ao Brasil em 1939, com o navio Oceania.
Fulvia na época tinha 18 anos.
Através de suas palavras encontrei alguns fatos
que podem ser considerados como
traumáticos:
As leis que colocavam os judeus novamente na
condição de discriminados; ser
obrigado a deixar o próprio país e os afetos mais
importantes, ou seja, o
desraizamento e o sucessivo transplante de uma
geração, junto com o horror da
perda repentina de todas as ligações com o
próprio pais e a própria família: Eis-nos
transformados em turistas! Começamos a viver
nossa tragédia em profundidade.
Eu tinha consciência do extremo valor de cada
minuto daqueles poucos dias que
nos restavam...
da despedida; de ter que enfrentar um futuro em
lugar desconhecido; o trauma da
saudade: pouco a pouco o micróbio da saudade
estava atacando profundamente
todo meu ser... a vista dos navios italianos que
depois da guerra tinham voltado ao
porto de Santos... simples palavras em
italiano...uma antiga canção em uma
pizzaria... deixava-me perturbada até as
lágrimas... Adorava meu marido, filhos,
casa trabalho.... mas era só fechar os olhos...
que me encontrava percorrendo a
trilha azul do Oceano Atlântico... saudade que
melhorou com a minha primeira
viagem de volta, como turista em 1952... em
particular quando voltei para Trieste
onde, junto com as lagrimas de alegria por rever
a cidade, chorei também a perda
de muitas
pessoas amigas.....
Texto
integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e
Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.